As papoilas e a energia

A Energia e tudo

O dicionário Priberan define Energia como “Capacidade que um corpo ou um sistema físico tem de produzir trabalho”. E, numa das definições de Trabalho, como “Fenómeno da vitalidade dos órgãos”.

Na verdade não há um conceito de energia que abranja e explique todas as suas manifestações. Ou seja, sabe-se o que não é mas é muito difícil definir o que é. No entanto o trabalho, ou o seu potencial, está sempre presente, seja qual for a definição. E o trabalho implica movimento.

Temos movimento na energia cinética. É a deslocação de um corpo que transmite a sua energia. Na energia térmica. As radiações são movimento através de ondas ou partículas atómicas. Na electromagnética a relação entre a electricidade e o magnetismo. Na bioquímica implica ainda movimento molecular e atómico. Na quântica manifestações que implicam vibrações. E, quando não temos o movimento de alguma maneira, temos o seu potencial, guardado num corpo, na sua possibilidade de movimento e em cada um dos seus átomos. Isto é o que nos explica a Física e a Química.

E todo o movimento só pode existir por oposição à sua ausência, ou seja à imobilidade. Dito de outro modo a manifestação de energia só pode existir por oposição ao seu potencial. A primeira lei da Termodinâmica professa que a Energia não pode surgir do nada. Antes transforma-se, mantendo-se sempre.

Os antigos chineses e as suas teorias Taoistas defenderam todas estas definições a partir do séc. VI a.C. As teorias do Yin e Yang professam que tudo tem o seu oposto e que não pode existir sem ele, tudo tem de estar equilibrado para existir em harmonia, dependendo isso dos seus opostos. Assim a Energia seria considerada Yang e o seu potencial Yin. Por exemplo, o Yin a matéria e o Yang o seu impulso vital.

A Medicina Chinesa fundamentou-se nestes princípios e criou uma teoria baseada em movimentos energéticos que animam a matéria. Ou seja reduziram a um conceito simples aquilo que conhecemos hoje na ciência moderna sobre o funcionamento do corpo humano enquanto organismo biológico e fisiológico. Ou, por oposição, enquanto organismo sujeito à patologia.

Entendeu-se portanto que se houvesse harmonia e equilíbrio entre o Yin e Yang o organismo manteria o seu padrão fisiológico, ou seja, saudável, e que se houvesse desequilíbrio ou desarmonia entre Yin e Yang haveria patologia, ou seja um estado de doença. No fundo o conceito de homeostasia e homeostase.

A energia percorria o corpo todo animando a matéria, viva agora. Esta energia nascia dos progenitores e era alimentada pela transformação do Yin da terra e do Yang do céu, ou seja, pelo que se comia e pelo que se respirava. Os factores climatéricos também entravam em linha de conta, podendo ser essenciais ou nefastos para o organismo. Se houvesse um bloqueio de energia num determinado ponto, teríamos dor, se tivéssemos frio interior seria falta de energia, se sentíssemos febre seria energia a mais de maneira a combater desequilíbrios. Teorizaram um sistema de canais no corpo que levaria a energia a todo o organismo, animando a matéria e fazendo mover o sangue para a alimentar, promovendo o movimento cardíaco. Simples no seu conceito mas muito próximo dos mecanismos explicados pela ciência médica de hoje, se quisermos estabelecer pontes.

Descobriram que podiam rectificar os desequilíbrios de energia no organismo, o que correspondia a estados patológicos, através de alguns métodos. O mais conhecido é a Acupunctura. As agulhas eram introduzidas em pontos situados nos canais transportadores de energia e actuavam como uma espécie de “válvulas”, permitindo canalizar a energia do lado em que estivesse a mais para o lado em que estivesse a menos e repor o equilíbrio, ou a homeostase, reequilibrando assim o estado fisiológico. Para além da Acupunctura criaram outras “armas”, como a Fitoterapia (medicamentos feitos de plantas), a massagem Tui Ná (massagem terapêutica que utiliza os pontos de acupunctura), o Chi Gong (ginástica respiratória), a Moxibustão (estimulação dos pontos de acupunctura através de calor), ventosas, dietética.

Hoje sabe-se que a explicação fisiológica e patológica não é tão simples e que a acção da acupunctura ou dos outros métodos terapêuticos da Medicina Chinesa não se explica só por esta teoria. Mas sabe-se que as agulhas de acupunctura introduzidas nos pontos provocam libertação de endorfinas, promovem micro inflamações locais e libertação de histamina, estimulam a circulação sanguínea local ou sistémica, inibem ou estimulam neuro receptores. Há ainda teorias que defendem que estes métodos terapêuticos podem modular a comunicação bioquímica entre as membranas celulares explicando fluxos “energéticos” para além da comunicação neurológica.

Seja como for, as bases teóricas simplistas dos inícios da Medicina Chinesa continuam a servir para as terapêuticas aplicadas hoje, independentemente da complexidade dos processos fisiológicos cada vez mais conhecidos. E, tal como durante todos estes séculos, continuam a apresentar resultados.

A Medicina Chinesa não é infalível. Como as outras medicinas, seja qual for, apresenta também percentagens de insucesso. Mas, como nas outras medicinas dignas desse nome, a pesquisa e a tentativa persiste, perseguindo sempre o mesmo objectivo: Debelar a doença, preservar a saúde, melhorar a qualidade de vida. Mantendo-se assim uma medicina viva, em transformação e crescimento.

Joaquim Morgado