Pastelaria fina e conventual
Depois deste confinamento todo, apeteceu-me um dia destes atirar-me para dentro de uma pastelaria e regalar-me com uns doces. Provavelmente comprarei uma daquelas caixinhas em papel, recheada de pastelaria fina para comer em casa, a salvo de pessoas sem máscara ou em cima uns dos outros. Tenho é de escolher bem onde comprar as iguarias.
Sabe que os portugueses herdaram a pastelaria dos franceses, não sabe? Aliás quase toda a cultura de “civilização” vem mais deles do que dos ingleses. Por isso é que comemos com garfos, nos sabemos lavar no bidé, usamos perfumes, temos culinária com molhos, sopas ricas, gratinados, açúcar em ponto, sede de liberdade e achamos que somos todos iguais. Houve alguns movimentos de fraternidade, importámos a Maçonaria quando ela ainda queria dizer alguma coisa boa e defendia valores, a língua oficial diplomata era o francês e a Marselhesa representava a liberdade contra a tirania. Depois, pouco a pouco, tudo isto se foi esbatendo, importámos outras cenas e fomos ficando tão pouco civilizados como eles o são agora.
Bom, mas com tudo isso desaparecido ou a desaparecer, também se foi a pastelaria fina que sempre tivemos em Lisboa e que, inclusive, aperfeiçoámos como nossa. Agora a maior parte das pastelarias serve coisas industriais congeladas, que cada uma delas cozinha rapidamente nuns fornos eléctricos todos iguais. É super-difícil usar produtos naturais como os ovos verdadeiros, natas, creme verdadeiro de pasteleiro e por aí afora. As leis entretanto aprovadas obrigam a tanto controlo e tantas regras, que é extraordinariamente difícil cumprir todas ou pura e simplesmente não são rentáveis os investimentos obrigatórios para se produzir pastelaria fina verdadeira. Perdeu-se portanto praticamente toda a pastelaria franco-portuguesa que se comia um pouco por toda a capital e que se podia comer melhor em casas como a Versailles ou em algumas no Chiado, bem conhecidas do público. Felizmente, a razia que conseguiram fazer na fantástica pastelaria fina que tínhamos parou antes de conseguir fazer o mesmo na pastelaria conventual que, essa sim, é bem nossa. Resta-nos ainda portanto, algumas casas onde ainda se pode encontrar Fidalgos, Trouxas, Barrigas de Freira, Toucinho do Céu, e um sem número de divinos doces à volta dos ovos e açúcar, alguns com amêndoa, nozes ou pinhões. Os portugueses são gulosos, é verdade, nunca tiveram foi bom gosto. Por isso deixaram que a pastelaria fina fosse morta, para comerem agora toda a porcaria enlatada da cultura anglo-saxónica-norte-americana que, como toda a gente sabe, nunca foi fina, é suficientemente recente para não ter um pingo de bom gosto ou ser boa e, decididamente, não tem nada de pastelaria.
É verdade que em qualquer medicina se sabe que comer doces em excesso é muito mau para a saúde. A Medicina Chinesa não é excepção e por isso também diz que não se deve comer doces em excesso ou mesmo comer doces muitas vezes. Mas não proíbe de todo comer um docinho ou outro de vez em quando, que isso amacia a garganta, tonifica o aquecedor médio (Baço-Pâncreas e Estômago), aquece o Yang, alimenta o Shen (mental e espírito)…
Mas que seja um Duchesse, um Palmier recheado, um Babá, uma Delícia de ananás, um Morgado, uma fatia de Toucinho do Céu, uma Trouxa de Ovos, uma Tarte de Laranja… Há tantos que são fantásticos! Mas que sejam verdadeiros, feitos a preceito, por mãos com carinho e saber, em vez dessas porcarias industriais e processadas que agora se vêem por todo o lado em tudo o que seja cafezito de esquina ou pastelaria que deixou de ser fina.
Porque estas porcarias sim, fazem mais mal que bem, mesmo em pequenas quantidades. Diz a Medicina Chinesa, digo eu e dizem os que têm saudades de quando tínhamos pastelaria fina.