Ataque!

Tinha que fazer aquilo, aquela outra coisa não podia esperar, há mais isto para responder, aquilo para terminar. O outro telefonou e ainda não telefonou ao outro. Urgente, tudo é urgente. Ainda não teve resposta daquilo que pediu, a resposta que veio está errada, não pode ser, tem de confirmar. Escrever mais e-mails, telefonar, telefonar, o telefone toca, quem é? E decidir, tem de decidir. Se for isto pode ser que seja melhor, mas se não decidir por aquilo pode ser que seja pior. Pensar, no meio de tudo isto, o que será melhor, como levar a água ao melhor moinho. Não querer falhar, não querer falhar, pensar em tudo, no mínimo pormenor, o detalhe que pode deitar tudo a perder. 

Andava obcecado com tudo o que tinha para fazer, com tudo o que tinha de provar, com tudo o que ainda faltava. O pensamento enrolava-se diariamente nas tarefas, umas a seguir às outras. Não conseguia pensar em mais nada. Por vezes fazia o esforço para pensar em coisas de que gostava. Ou um pensamento bonito, um olhar para a beleza que por vezes se cruza connosco num sítio por aonde passamos. Ou distrair-se. Um livro ou um filme, à noite, para desligar de toda a roda viva de cada dia. Umas cervejas com a malta do bairro que não chega a ser o grupo dos amigos mas que é mais do que o grupo dos conhecidos. Conversa superficial, um jogo de snooker, umas gargalhadas. No dia seguinte a roda viva continuava, havia tanta coisa para fazer, tantos milhares de pensamentos a ter! Na maior parte das vezes toda esta roda viva lhe dava gozo, afinal. Gostava de sentir essa pressão de pensar, discutir, concretizar coisas em cima de coisas. Sentir-se activo, rápido, útil, ágil. Passar de uma coisa para outra, tratar de várias ao mesmo tempo. O sal da vida era dado por isso, momento após momento, em sucessões cada vez mais rápidas, numa vertigem que não parava, exigindo sempre mais e mais, como uma droga extasiante e natural.

Mas cansava-se também. Para além do cansaço físico sentia por vezes um tédio enorme, um cansaço para além do corpo, um esvaziar da mente e um baixar de braços em que só lhe apetecia dormir, frustrado com tudo o que se passava. Chorar. Por vezes apetecia-lhe chorar como uma criança, triste por se sentir vazio, triste por ver a vida a consumir-se em toda a roda viva de todas as coisas que se tinham tornado obrigatórias. E, nesses momentos, já não conseguia ver sequer a beleza no momento fugaz, o riso na pausa com os companheiros da cerveja no snooker, ou relaxar com o filme ou o livro. O tédio imenso que o invadia mostrava-lhe antes um mundo feio e absurdo, cheio de pessoas más, egoístas e interesseiras. Um mundo que não valia a pena existir ou manter. Apetecia-lhe desistir, nesses momentos, fechar os olhos e deixar-se ir para outro mundo qualquer onde não houvesse gente nem tarefas a cumprir, obrigações, coisas começadas, tempos a respeitar. 

Um dia acordou, saiu da cama, foi à casa de banho, olhou-se ao espelho e viu um tipo. Tinha um ar cansado e triste. Envelhecido. Tentou sorrir. O sorriso não lhe pareceu melhorar a imagem. Sentou-se novamente na sanita. Esteve aí um bocado, de mente vazia, sem nada que se passasse. Depois, como um autómato, levantou-se, preparou-se, comeu, olhou uma vez mais para as paredes da casa, saiu e meteu-se dentro do carro. 

Arrancou pela rua fora já com uma série de tarefas a cumprir. Não se sentia preocupado. Não sentia nada, na verdade. Questionou-se porquê. Quis sentir alguma coisa. Precisava desesperadamente de sentir alguma coisa. Fez um esforço para sentir alguma coisa. Finalmente começou a sentir alguma coisa. Era como uma pontada no peito. Lá no fundo. Foi crescendo. Aguda a não ser mais suportável. Mal teve tempo para atirar o carro para cima de um passeio. A dor em pontada abarcava agora tudo, era insuportável, fazia com que não pudesse pensar. Alastrou do peito para o braço, não se conseguia mexer nem respirar. Queria muito respirar mas não conseguia. 

Quis olhar o mundo uma última vez. Ver somente as coisas bonitas de que se lembrava, as pessoas que amava, a magia toda de que se tinha esquecido. A dor dominava-o por inteiro até que não a sentiu mais.

Fechou os olhos e deixou-se ir.

Acordou na cama do hospital. A coisa tinha sido complicada mas lá o tinham conseguido reanimar, disseram-lhe. Pensou na quantidade de coisas urgentes que tinha deixado por fazer, nas pessoas todas que tinham ficado por contactar, em tudo o que tinha falhado, nas respostas que não tinha dado. E não se importou mais com isso, feliz por estar vivo. 

Não se deixe chegar a este ponto!

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