Quando ficamos doentes

Quando ficamos doentes ficamos infelizes. Concentramo-nos na doença e no mal-estar que sentimos. Só queremos que passe, que melhore, que se vá embora e que fiquemos outra vez bons e “normais”. Para que isso aconteça, temos tendência para nos isolarmos, deprimirmos, esperar que passe. E é aí que entram os outros. 

Os outros são fundamentais em qualquer processo de doença e da sua recuperação. Quem não se lembra de, quando era pequeno e ao estar doente, ter os carinhos e cuidados da mãe ou da avó? Aquando adultos, a mãe e avó são substituídas por outros. Podem ser esposos, companheiros, vizinhos ou amigos, mas são igualmente fundamentais. Ajudam na parte prática da recuperação, nas tarefas diárias, mas também na parte emocional e psicológica. Saber que se está acompanhado por quem nos quer bem é fundamental para uma melhor, mais “saudável” e mais rápida recuperação. É por isso importante que os outros tenham consciência disso. Ir visitar alguém ao hospital ou a casa, enviar um email, uma mensagem de telefone, fazer um telefonema, pode fazer uma diferença enorme na vida de quem está doente. 

Claro está que, para quem faz parte do grupo dos “outros”, nem sempre isso é evidente. É quando estamos doentes que compreendemos absolutamente essa necessidade porque a sentimos absolutamente. Quando não estamos doentes, a vida continua e temos mais dificuldade para pensar nisso. 

Quando se está doente crónico, entra-se obrigatoriamente no Inferno. Abrem-se ciclos de sintomas, médicos, exames, tratamentos, medicamentos, e volta tudo ao início numa volta sem fim. Quando se está doente crónico está-se sempre doente e por isso o apoio e atenção que os outros nos podem dar serão também diferentes. Normalmente os outros vão esquecendo, aceitando a condição mais ou menos permanente da pessoa que está doente. Também a pessoa que tem a doença crónica se habitua a que assim seja. É, pois, tudo diferente do que estar simplesmente doente à espera de ficar melhor. E as relações com a vida, com os outros, consigo mesmo, muda e adapta-se. Os outros continuam a ser fundamentais mas nem sempre estão ou podem estar presentes, ou não têm, simplesmente, noção de que são fundamentais. 

Quando se esteve quase morto, quando se esteve mesmo mesmo à beira de passar para o outro lado, tudo muda. A vida muda. A vida passa a ter outro valor, a ser tudo mais urgente, a passar tudo mais depressa, o tempo a fugir, ou a arrastar-se numa agonia infinita. O mundo torna-se diferente, queremos tudo ao mesmo tempo, queremos estar e ir, ao mesmo tempo, ter tudo, não perder nada. Sabemos que não pode ser assim mas é o que sentimos. É a inquietação completa, o conflito entre o racional e o emocional, entre o que se pode ter e o que se pode querer. Também aqui os outros são fundamentais. Aqui sou eu que os procuro onde eles estiverem. E uns estão, outros não. Uns compreenderão toda a urgência, outros não a verão sequer. 

Seja como for, os outros são sempre fundamentais na nossa saúde, tenham ou não consciência disso. O apoio, a esperança, a força, o sonho, são dados ou retirados pela sua presença. 

O papel do médico deve ser também o do outro. Para além do lado puramente técnico, deve preencher também o lugar de alguém que está de alguma forma, e por um período de tempo, presente na vida da pessoa que está doente para que esta fique melhor. 

É uma das razões por que reservo 1 hora para cada sessão de tratamento dos meus pacientes. Nessa hora, para além do tratamento técnico em si, podemos falar, trocar impressões, ou simplesmente estar.