Haja esperança!

Janeiro é sempre assim. É um mês péssimo. Faz frio, é cinzento, chove, é o começo do ano que começa e não sabemos o que vai ser, as gaivotas em terra e tempestades no mar. As pessoas encolhidas, com o dinheiro gasto no Natal, as promessas do fim do ano por cumprir, o melhor conforto é ficar debaixo das cobertas da cama de manhã.

Este ano está a ser diferente. Já fez frio e agora faz calor, já houve dias cinzentos e dias de sol, sabemos como o ano começou, com todas as espadas de Démocles por cima das nossas cabeças, as gaivotas vão e vêm. As pessoas ora se encolhem em casacos escuros, ora se despem em roupas ligeiras de cores, O dinheiro foi gasto no Natal mas há quem tenha muito mais para gastar, as promessas continuam por cumprir, o melhor conforto já pode ser o saltar da cama de manhã para ir a uma praia ou almoçar numa esplanada com amigos.

Pouco chove. O vento já não é frio, a terra seca as agriculturas de subsistência e só as extensivas preocupam. Haverá sempre o que comer, dizem uns. Se vai tudo acabar o melhor é fazer a festa até ao fim, dizem outros. As desgraças do mundo amontoam-se até ao dia em que não houver mundo.

Mas há sempre esperança. Dizem que é a última a morrer. Como o sol desponta da noite, como o calor sucede ao frio, como as gaivotas chegam para partir um dia breve, governa-nos a esperança e por isso cá estamos sempre.

Esperamos às vezes as coisas mais estapafúrdias, as mais inverosímeis, as mais improváveis, mas esperamos. Às vezes fazemos o esforço para o que esperamos, de outras deixamos só o tempo correr, com esperança que aconteça o que esperamos. 

Na Medicina também é assim. Preparamos o ano durante todo o ano para os nossos pacientes. Às vezes temos de lidar com o frio, o calor, a humidade ou a secura de cada um. Tentamos acalmar tempestades e espantar gaivotas, ensinar o que se deve comer na comida que há disponível, equilibrar as festas de cada um e o que esperamos em cada um. Às vezes, em casos complexos, pensamos as coisas mais estapafúrdias, as mais improváveis, aplicamos e esperamos. 

E temos esperança, sempre. Que o ano seja diferente, que o melhor conforto não seja ficar debaixo das cobertas toda a manhã. Esperança de tratar, de curar, de dar caminhos melhores, de ajudar. 

É isso que fazemos em Medicina, com cada um dos pacientes, com cada um dos problemas que os pacientes nos confiam para ajudar ou resolver.

Haja esperança!

Bom ano.